quarta-feira, 30 de junho de 2010

HQ sobre o Alquimista

Uma versão em quadrinhos do livro "O alquimista", de Paulo Coelho, será lançada no mercado norte-americano no segundo semestre deste ano. A graphic novel sairá pelo selo Sea Lion, ligado ao grupo Harper Collins, e tem desenhos de Daniel Sampere, de "Vampirella".
O escritor brasileiro revelou as primeiras páginas da HQ. Veja abaixo:
Imagem de uma das páginas da versão em quadrinhos do livro 'O
 alquimista', de Paulo CoelhoVersões com o lápis de Daniel Sampere e arte-final de uma página da HQ 'O alquimista', de Paulo Coelho (Foto: Divulgação /Sea Lion Books)
Imagem de uma das páginas da versão em quadrinhos do livro 'O
 alquimista', de Paulo Coelho 
Duas etapas da crianção da graphic novel 'O alquimista', de Paulo Coelho (Foto: Divulgação/Sea Lion Books)
"O alquimista" conta a história de Santiago, um jovem pastor da Andaluzia que viaja em busca de um tesouro desde a Espanha até o Egito. Em sua jornada, repleta de ensinamentos, ele tem um encontro mágico e revelador com o alquimista.
"Sentimos que com uma graphic novel de 'O alquimista' poderíamos atingir um outro público que normalmente não se interessaria pelo livro", declarou Derek Ruiz, vice-presidente da Sea Lion Books, em mensagem reproduzida no blog de Paulo Coelho. "Trabalhar [nesse projeto] tem sido uma busca e aproximação de minha própria lenda pessoal. Espero que gostem do que estamos fazendo", completou.
Lançado há mais de 20 anos, "O alquimista" já ultrapassou 30 milhões de cópias vendidas em todo o mundo. O romance também deve ganhar uma adaptação para o cinema, produzida pelos irmãos Weinstein e dirigida por Lawrence Fishburne.
Com mais de 150 milhões de livros vendidos em todo o mundo, Coelho é o autor de língua portuguesa mais popular da atualidade. Entre suas outras obras estão "Onze minutos" (2003) e "A bruxa de Portobello" (2006). Seu último romance publicado foi "O vencedor está só", de 2008.
fonte: www.g1.com.br

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Livro Desassossego


De repente, como se um destino médico me houvesse operado de uma cegueira antiga com grandes resultados súbitos, ergo a cabeça, da minha vida anónima, para o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido, é uma espécie de engano e de loucura. Maravilho-me do que consegui não ver. Estranho quanto fui e que vejo que afinal não sou.



Olho, como numa extensão ao sol que rompe nuvens, a minha vida passada; e noto, com um pasmo metafísico, como todos os meus gestos mais certos, as minhas ideias mais claras, e os meus propósitos mais lógicos, não foram, afinal, mais que bebedeira nata, loucura natural, grande desconhecimento. Nem sequer representei.
Representaram-me. Fui, não o actor, mas os gestos dele.
Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu.
Vem-me, então, um terror sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a de quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto, por um terramoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara.
Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê.

É tão difícil descrever o que se sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade real, que não sei quais são as palavras humanas com que possa defini-lo. Não sei se estou com febre, como sinto, se deixei de ter a febre de ser dormidor da vida. Sim, repito, sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que perdem a memória, e são outros durante muito tempo. Fui outro durante muito tempo - desde a nascença e a consciência -, e acordo agora no meio da ponte, debruçado sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui. Mas a cidade é-me incógnita, as ruas novas, e o mal sem cura. Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural.
Foi um momento, e já passou. Já vejo os móveis que me cercam, os desenhos do papel velho das paredes, o sol pelas vidraças poeirentas. Vi a verdade um momento. Fui um momento, com consciência, o que os grandes homens são com a vida. Recordo-lhes os actos e as palavras, e não sei se não foram também tentados vencedoramente pelo Demónio da Realidade. Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Saber de si, de repente, como neste momento lustral, é ter subitamente a noção da mónada íntima, da palavra mágica da alma. Mas essa luz súbita cresta tudo, consume tudo. Deixa-nos nus até de nós.

Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui. E, por fim, tenho sono, porque, não sei porquê, acho que o sentido é dormir.
Bernardo Soares em O Livro do Desassossego